28 de outubro de 2012

semana 44
Uma fábrica de feijão verde contra a sida


A Frigoken, criada em 1989 nos arredores de Nairobi (Quénia) para exportar vegetais frescos para a Europa, é uma fábrica que dá prioridade ao emprego a mulheres e que se preocupa com a sida. Ali, embala-se feijão verde, exportado para vários países europeus (incluindo Portugal, onde é vendido pela F. Leclerc).
A empresa começou por contratar a compra de feijão a 50 agricultores. Hoje, são 45 mil, em todo o país. A perspectiva é chegar aos 100 mil. Na fábrica, trabalham três mil pessoas – quase todas mulheres –, além de mais 800 funcionários distribuídos pelos centros de recolha. A prioridade às mulheres tem razão de ser, mesmo se alguns homens não gostam de vê-las trabalhar. “A mulher empregada significa um suplemento no rendimento familiar. Com esse dinheiro, cresce a qualidade de vida das famílias”, diz Karim Dostmohamed, responsável da empresa.
“Elas são mais responsáveis que os maridos a utilizar o dinheiro”, acrescenta Jim Garnett, responsável operacional e um dos dois únicos estrangeiros da empresa.
Enquanto vigia o processo de embalagem, Anne Malika, 36 anos, mãe solteira de um filho, confirma que os doze anos na empresa lhe deram “estabilidade de vida”. Tabitha Khamala, 35 anos e três filhos, é analista de qualidade. Quando começou na Frigoken, há dez anos, era ainda solteira. “Agora sou casada e capaz de tomar conta da família. Consigo pagar a escola dos meus filhos. Fui privilegiada por poder usar a creche da fábrica para o mais novo. Quando ele saiu, a professora disse que ele estava avançado e pô-lo logo na classe seguinte”.
Através das mulheres, passam outras mensagens: regras de higiene e segurança alimentar repetidas são apreendidas, reproduzidas e levadas para casa. A empresa promove também um programa contra o VIH/sida. “Fazemos visitas ao campo para falar aos agricultores, com especialistas, médicos e enfermeiros, pessoas de organizações especializadas e mesmo alguns portadores de VIH. O objectivo é remover o estigma”, esclarece Garnett.
Para completar esse processo, com a colaboração de uma organização católica, a empresa promove, cada seis meses, testes gratuitos de despistagem da doença a quem os queira fazer. “Só conhecemos os números”.

António Marujo
a partir de reportagem publicada no jornal Público, realizada a convite da rede Aga Khan para o Desenvolvimento, 8 de Julho de 2008

António Marujo e Faranaz Keshavjee
fotografias inéditas, 2008

21 de outubro de 2012

semana 43
Hoje é dia de festa: meu filho é são!


No Centro DREAM de Matola 2, na periferia de Maputo, passaram milhares de mães nos primeiros cinco anos da sua actividade: 98 por cento delas não transmitiu o vírus do VIH aos seus bebés. A cada dia repete-se a luta contra o estigma e contra o preconceito. Para uma qualidade de vida melhor. A oferta da terapia anti-retroviral, com o objectivo de as tratar também depois do parto, a educação sanitária, a amizade, é elemento fundamental para as mulheres. Para poderem ser mães em saúde de bebés sãos.
“Meu filho é são! Hoje fez o teste final porque completou 18 meses e o resultado é negativo!”. Fátima quase não acredita que Manuel, o filho tão desejado, não foi contaminado pelo vírus que há seis anos entrou dentro dela.
“Meu marido não quis vir porque tinha medo do resultado. ‘Va’ tu porque eu não consigo. Tenho medo de desmaiar”, conta-nos esta jovem mulher de 28 anos.
“Fiz o teste HIV depois que o meu marido descobriu ser seropisitivo. Estava muito mal, era um esqueleto: com 44 anos pesava 28 quilos. Nem podia ir trabalhar. Eu não me sentia mal, mas decidi fazer o teste na mesma. Fui ao Centro DREAM de Machava, e logo tive que começar tomar os antiretrovirais. Desde então nunca mais parei”, diz ela enquanto Manuel bebe um sumo.
“E devo dizer que nunca tenho tido problemas. A única coisa bela, a mais bela que me pudesse acontecer, é que fiquei grávida! Até o médico não acreditava. E a barriga começou a crescer e finalmente tinha a prova que não era um sonho. Obviamente a preocupação que o meu filho pudesse nascer seropositivo estava sempre presente. Hoje é o dia mais bonito da minha vida!”, diz-nos chorando de felicidade.
Fátima está consciente de ser uma privilegiada e hoje é uma activista, no seu bairro: um exemplo para as mil mulheres grávidas que neste momento estão a ser seguidas é o elo de ligação entre as mulheres grávidas e o tratamento antiretroviral. Ela leva-as para Matola 2. “Para fazer nascer crianças sãs, como o meu Manuel!”.
Fátima é uma das milhares de mulheres que desde 2003 têm sido assistidas no centro DREAM da Matola 2, no programa de prevenção vertical com a tri-terapia, um programa desenhado e implementado pela Comunidade de Sant’ Egídio em Moçambique em 2002, no âmbito das políticas contra o VIH/SIDA do Governo de Moçambique.
O DREAM privilegia as mulheres grávidas e a dupla mãe-filho porque é a escolha para o futuro de África. No Centro as mulheres aprendem que os bebés de mães seropositivas podem ficar infectados de três maneiras: o vírus pode-se transmitir durante a gravidez, no momento do parto e através da amamentação. Sem nenhuma forma de prevenção, existem 30 por cento de possibilidades que uma mãe infectada possa passar o vírus ao seu bebé.
A oferta da tri-terapia anti-retroviral a partir da vigésima-quinta semana de gravidez até ao exto mês depois do parto para poderem amamentar sem risco e tratá-las também depois do parto, é fundamental. A única maneira para prevenir o aumento exponencial de órfãos.

Paola Rolletta
história inédita, 2009

Isabel Ballena
fotografia inédita, 2009

7 de outubro de 2012

semana 41
Quanto vale uma torneira?


Em Qena, no Sul do Egipto, há uma mulher com um tesouro para revelar. Quando se entra em sua casa, aponta para a torneira como quem mostra um quadro de Picasso, porque esta torneira mudou a sua vida. As filhas deixaram de andar quilómetros todos os dias para ir buscar água e passaram a ir à escola.
Catarina Albuquerque, perita independente da ONU para o direito à água, não se esquece desta mulher. A torneira foi financiada pela UNICEF e a família ficou a pagar um ou dois dólares de prestação, durante 24 meses. “Podem não ter dinheiro para comprar muita comida, mas de certeza que vão pagar a torneira”. Continuava sem haver casa de banho, mas pelo menos a torneira já trazia água para beber e cozinhar.
Para além do Egipto, Catarina Albuquerque visitou a Costa Rica, Bangladesh, Eslovénia e Japão, a preparar relatórios para a ONU sobre o acesso à água e ao saneamento. Desde 2008, quando começou o seu mandato, esta jurista tem defendido que a água é um direito humano consagrado, tal como o direito à habitação à alimentação. “É impossível ter acesso a um nível de vida adequado sem água ou saneamento”.
A Assembleia Geral da ONU aprovou em Julho de 2010, por 122 votos a favor e 41 abstenções, uma resolução em que considera o acesso à água e ao saneamento um direito fundamental, mas pela frente há ainda um longo caminho. Todos os anos morrem 1,5 milhões de crianças com menos de cinco anos por doenças relacionadas com a falta de água potável, há 884 milhões de pessoas com difícil acesso a água e 2600 milhões que não têm condições de saneamento, o que significa 39 por cento da população mundial. A cada 20 segundos morre uma criança por falta de saneamento ou água potável.
Catarina Albuquerque espera que a resolução da ONU ajude a não deixar esquecer este direito. Durante a sua missão já enviou dezenas de cartas a pedir para visitar países de várias latitudes, porque a falta de acesso à água não é só um problema de África. Na Eslovénia, por exemplo, viu as comunidades ciganas a caminhar durante duas horas para conseguir água potável. E no relatório que há-de apresentar em Outubro de 2011 falará dos muitos obstáculos que encontrou e de algumas boas práticas, como a torneira de Qena ou as instalações sanitárias que custam apenas um dólar e alguma imaginação.

Isabel Gorjão Santos
história inédita, 2010

Gonçalo Cunha de Sá
fotografia inédita, 2010