Esta é uma história que nos ensina o respeito pelas
imagens que não nos pertencem. Dentro de caixas de madeira no meio do deserto
de Tindouf, sudoeste da Argélia, o fotógrafo italiano Patrizio Esposito
descobriu um dia milhares de rostos – homens, mulheres, crianças, risos,
brincadeiras inocentes, momentos de ternura, recordações de uma outra vida.
Eram as fotografias que os soldados da Frente
Polisário, em luta contra Marrocos pela independência do Sara Ocidental,
tinham, ao longo dos anos, tirado das carteiras dos soldados marroquinos que
matavam ou capturavam. Eram imagens que tinham acompanhado esses homens para a
guerra, e que muitas vezes lhes teriam servido de consolo.
Porque é que os sarauís as guardaram? Porque eram uma
prova de que aquela guerra (entre 1975 e 91) existia, ao contrário do que dizia
Marrocos. E porque eram o rosto do inimigo. Esposito ficou fascinado com as
mais de cinco mil fotos que, nesse ano de 1991, durante uma viagem para
transportar ajuda humanitária, a Polisário lhe mostrou pela primeira vez. “Pareceu-me
um incrível monumento contra a guerra”.
Juntamente com o realizador Mario Martone e com
Fabrizia Ramondino, fez uma proposta à Polisário: usar as imagens como
testemunho da crueldade e absurdo da guerra. Mas aquelas eram imagens que não
lhes pertenciam e por isso decidiram que a única maneira de o fazer seria criar
um livro, com uma selecção de 483 fotografias, do qual fizeram apenas vinte exemplares.
Como quem transporta um segredo, Esposito leva-o de casa em casa, de país em país
e mostra-o apenas a pequenos grupos, em encontros privados. É assim, em voz
baixa, longe dos holofotes, que conta ao mundo a história esquecida do conflito
no Sara Ocidental. Os vinte livros vão sendo, a pouco e pouco, confiados a
“guardiões” – figuras conhecidas, intelectuais, escritores, artistas – que
guardarão um exemplar cada um, criando “um mapa ideal com diferentes pessoas e
realidades”. Cada livro é um testemunho, um pedaço da história dessa guerra,
uma tentativa de combater o esquecimento. “Ao guardarem estas fotos, os sarauís
contam a sua própria dor através da dor do inimigo”. Por isso Esposito chamou
ao projecto “Necessidade de Rostos”.
Alexandra Prado Coelho
actualizada em 2009, a partir da entrevista publicada
no jornal Público, 2006
Arquivo Saharaui da Guerra / Patrízio Esposito
fotografias publicadas em “Necessità dei Volti”
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