23 de dezembro de 2012

semana 52
Malalai Joya, a afegã que fala ao mundo


Em 2003, uma mulher levantou a voz no Afeganistão. Chamava-se Malalai Joya, vinha de uma província no sudoeste e tinha 25 anos. À sua volta estavam os representantes de grandes famílias, os líderes tribais, o poder tradicional. Era a Loya Jirga, a grande assembleia que ia definir a constituição para o país.
Quando chegou a sua vez, Malalai falou contra os senhores da guerra presentes, e todos os que tinham sangue nas mãos mas continuavam impunes. Quiseram calá-la logo ali, mas havia demasiada gente a ver.
Dois anos depois, Malalai foi eleita para o Parlamento. Nas fotografias que há no seu site aparece sempre de dedo em riste, a falar, a lutar para falar, veemente, desassombrada, no meio dos turbantes e do protocolo. Continuou a denunciar os senhores da guerra, os “mujaheddin”, os “taliban” regressados, a reciclagem dos criminosos, a corrupção nos lugares de poder. Comparou o Parlamento a um estábulo e a um jardim zoológico. Suspenderam-na. Tentaram matá-la. Passou a viver clandestinamente, de casa em casa, movendo-se de “burqa” e com guarda-costas. A família deixou a província de Farah e mudou-se para uma cidade grande onde ninguém os conhece. Malalai só se pode encontrar com o marido às vezes, em casa de alguém de confiança.
Célebre já em todo o mundo como “a afegã sem medo”, começou então a viajar pela Europa e pela América, a contar o que não se vê à distância sobre o Afeganistão: como as mulheres continuam a ser perseguidas, ameaçadas, violadas, queimadas, mortas; como a produção de ópio e o tráfico de droga só aumentaram nos últimos anos; como a corrupção floresceu no regime Karzai, com o apoio do Ocidente; como Karzai e o Ocidente reciclaram criminosos, senhores da guerra, e põem a hipótese de negociar com os “taliban”; como a presença de 100 mil soldados estrangeiros no Afeganistão trouxe violência, morte, mas não segurança e confiança aos afegãos.
Em que acredita Malalai? Que as tropas estrangeiras têm de sair. E que têm de ser os afegãos a construir uma democracia com direitos humanos e separação entre religião e Estado, ainda que isto leve gerações.
O trabalho dela, para já, é falar ao mundo.

Alexandra Lucas Coelho
História inédita, 2009

Paulo Ricca
fotografia inédita, 2009

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