A palavra crise pouco dirá a quem vive em crise desde que vive? “Quem é muito pobre quer lá saber da crise!”, prega Esmeralda Mateus, presidente da Associação de Moradores do Bairro de Aldoar, na zona ocidental do Porto. A reformada diz isto e logo desdiz: “E se, com essa crise, acabam com o rendimento social de inserção [RSI]? De quê que esta gente vai viver?”.
Há muito desocupado encostado às paredes limpas do bairro. “Não arranjam trabalho”, legenda Cecília Pinto, atrás do balcão do bar associativo, contas enegrecidas pelos fiados. A filha dela está com 20 anos e não vai além de umas horitas num infantário. “Tirou o 9.º ano. Afinal, não sei para quê!”.
Uma espécie de calvário é percorrido por quem não consegue entrar no mercado de trabalho ou dele sai e esgota subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego sem conseguir reempregar-se. O RSI pode, então, surgir como única forma de atenuar a severidade da pobreza. Esmeralda Mateus não quer que se pense que a mais polémica prestação social é alguma fartuna. “Uma pessoa sozinha recebe 187 euros e isso para que dá? Onde estão as voltas de ouro que antes se viam ao pescoço? Foram vendidas ou estão no prego! Ainda bem que a canalha, agora, tem almocinho na escola! Todas as noites há gente a vasculhar os caixotes do lixo ao pé do supermercado!”.
As notícias sobre a crise chegam pelo televisor incrustado na parede. E é como se ali estivesse a professora do Charlie Brown a pronunciar frases incompreensíveis. No Bairro de Aldoar, o tema deste momento é o tema de qualquer momento: sobreviver.
Ana Cristina Pereira
a partir da reportagem publicada no jornal Público, 1 de Maio de 2010
Adriano Miranda
foto inédita, 2010
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