Em 2008, a israelita Omer Goldman estava numa prisão militar por se recusar a servir um “exército de ocupação”. Hoje, com 21 anos de idade, aguarda o ingresso na academia de artes Seminar Hakibbutzim College, em Telavive, para tentar realizar o sonho de ser actriz. Não tem sido fácil a vida da filha de Natalin Granot, especialista em Irão e ex-“número dois” da Mossad, considerada a “mais eficiente” agência de espionagem do mundo, que se demitiu, em 2007, quando o actual director, o implacável Meir Dagan, não cedeu o posto ao sucessordesignado.
Omer havia sido recrutada para o serviço militar obrigatório aos 18 anos, mas já no liceu decidira que não queria ir para a tropa. Seria uma refusenik. “Assim que deixei a escola, e antes de me inscrever na faculdade, dei aulas a crianças pobres num bairro de judeus etíopes”, contou-nos. “Quando me chamaram, entreguei uma declaração aos oficiais onde afirmava: ‘Recuso alistar-me nas Forças de Defesa de Israel [IDF, na sigla inglesa]. Não farei parte deste exército que, desnecessariamente, pratica actos de violência e viola os mais básicos direitos humanos’”.
A 23 de Setembro de 2008, sem ter sido julgada, foi cumprir 21 dias de detenção. Libertaram-na a 10 de Outubro, mas voltou para um segundo período, de apenas 14 dias porque ficou doente. Saiu novamente em liberdade, a 30 de Outubro. Estes ciclos iriam repetir-se mas o exército, face às pressões, acabou por ceder. Em Israel, o estatuto de objector de consciência não é reconhecido. As IDF são um “exército do povo”, quase mitológico. Não é possível recusar servi-lo por motivos políticos. Antes de ser aceite na Seminar Hakibbutzim, onde alguns professores aderiram ao movimento de boicote ao colonato de Ariel, Omer tentou primeiro inscrever-se na prestigiada Nissan Nativ School of Acting. Exigiram-lhe que explicasse por que não cumpriu o serviço militar. Ela escreveu no formulário: “Fuck off!”.
Para pagar as aulas e a casa onde vive sozinha (“sempre amei a minha independência”), Omer trabalha como empregada de balcão e mesa num bar que é também estação de rádio. “É preciso ganhar a vida”, justifica, lamentando que esta actividade profissional tenha reduzido a sua participação em manifestações contra a ocupação. Às sextas-feiras à noite, ela era presença assídua nos protestos em Sheikh Jarrah, bairro de Jerusalém Oriental de onde uma família palestiniana, que já havia sido expulsa de Jerusalém Ocidental, foi despejada para dar lugar a colonos judeus ultra-ortodoxos.
Um dia, num clube de Telavive, um rapaz interpelou-a: “És a puta que anda a dizer mal do nosso país?” Ela garante que não se importa com os insultos. Também circularam petições para lhe retirar a cidadania. Ela ri-se mas lamenta: “Este já não é um país para gente livre, vivemos um dos períodos mais obscuros. As pessoas estão cada vez mais nacionalistas. Não conseguem olhar para os nossos vizinhos como seres iguais”.
Margarida Santos Lopes
a partir de uma conversa telefónica em Setembro de 2010 e de uma entrevista publicada no jornal Público, em Novembro de 2008
Active Stills
fotografia publicada em activestills.org