É no bairro de Enterramento, um bairro novo na periferia de Bissau, que vive a Mayra. Hoje, como sempre, ela olha com atenção as crianças que vão para a escola. Mayra diz que tem 13 anos de idade mas terá certamente 15. Ela vive com a mãe, já lá vão dois anos. Nem sempre foi assim: os pais separaram-se quando ela tinha cinco anos de idade. Pouco depois, o pai levou-a para a casa duma das suas três mulheres. Naquele dia, a Mayra não foi à escola, nem nos dias seguintes, até hoje. Assim nasceu uma suprema frustração e cresceu o seu maior desejo: ir à escola para estudar como todos os meninos. Mas o seu desejo não tem peso.
No bairro de Enterramento, enquanto os filhos da sua madrasta iam todos os dias para a escola, Mayra acordava com montes de tarefas para cumprir. Ela tinha que cuidar da casa e a seguir ia para a rua onde, no meio da confusão, vendia produtos variados. Voltar para casa antes da meia-noite era impensável. Nunca foi o cansaço que decidiu sobre a hora de voltar. Sempre foi a ordem da madrasta. Aos 10 anos, cansada, ela fugiu e foi ter com outra madrasta. Essa segunda mulher tinha filhos, que tambem iam à escola. Também nessa casa Mayra teve azar; para ela só sobrou o trabalho: tirar água do poço, lavar os pratos e a roupa, limpar o chão, ir ao mercado procurar peixe e legumes, cozinhar. Quando Mayra recusava trabalhar, recebia porrada. Ela sempre tentou pedir ajuda mas nunca encontrou apoio.
Aos 12 anos de idade Mayra decidiu ir ter com a mãe, que vivia nos Bijagós. Mas Mayra nunca conseguiu o dinheiro suficiente para ir ter com ela. Quando o pai morreu ela pôde voltar a estar de novo com a mãe, que veio a Bissau para assistir ao funeral. A mãe acabou por ficar e, sem perder tempo, meteu-se com outro homem. A Mayra sonhou de novo com a possibilidade de poder ir à escola. Mas a mãe e o novo padrasto não tinham planos para ela. Preguiçosos e alcoólicos, passavam dias a beber, sem procurar trabalho. O casal teve filhos mas nem por isso mudaram o rumo das suas vidas. É Mayra quem cuida dos meninos e que pede regularmente esmola aos vizinhos para conseguir comida. Mas nem assim ela teve um lugar seguro: um dia, o padrasto achou os meninos sujos e pediu explicações a Mayra. “Os filhos não são meus”, replicou ela. O padrasto zangou-se e expulsou-a de casa. Sem qualquer apoio, ela ficou durante dois meses na rua, até que a família duma amiga deu-lhe asilo e também à sua avó. Depois voltou para a casa da mãe. Hoje, quando as crianças passam na rua para ir à escola, Mayra olha para elas. Um dia ela há-de ser uma delas porque o seu sonho é simples de realizar.
Alain Corbel
texto e fotos inéditos, 2010
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