Em Qena, no Sul do Egipto,
há uma mulher com um tesouro para revelar. Quando se entra em sua casa, aponta
para a torneira como quem mostra um quadro de Picasso, porque esta torneira
mudou a sua vida. As filhas deixaram de andar quilómetros todos os dias para ir
buscar água e passaram a ir à escola.
Catarina Albuquerque,
perita independente da ONU para o direito à água, não se esquece desta mulher.
A torneira foi financiada pela UNICEF e a família ficou a pagar um ou dois
dólares de prestação, durante 24 meses. “Podem não ter dinheiro para comprar
muita comida, mas de certeza que vão pagar a torneira”. Continuava sem haver
casa de banho, mas pelo menos a torneira já trazia água para beber e cozinhar.
Para além do Egipto,
Catarina Albuquerque visitou a Costa Rica, Bangladesh, Eslovénia e Japão, a
preparar relatórios para a ONU sobre o acesso à água e ao saneamento. Desde
2008, quando começou o seu mandato, esta jurista tem defendido que a água é um
direito humano consagrado, tal como o direito à habitação à alimentação. “É
impossível ter acesso a um nível de vida adequado sem água ou saneamento”.
A Assembleia Geral da ONU
aprovou em Julho de 2010, por 122 votos a favor e 41 abstenções, uma resolução
em que considera o acesso à água e ao saneamento um direito fundamental, mas
pela frente há ainda um longo caminho. Todos os anos morrem 1,5 milhões de
crianças com menos de cinco anos por doenças relacionadas com a falta de água
potável, há 884 milhões de pessoas com difícil acesso a água e 2600 milhões que
não têm condições de saneamento, o que significa 39 por cento da população
mundial. A cada 20 segundos morre uma criança por falta de saneamento ou água
potável.
Catarina Albuquerque espera
que a resolução da ONU ajude a não deixar esquecer este direito. Durante a sua
missão já enviou dezenas de cartas a pedir para visitar países de várias latitudes,
porque a falta de acesso à água não é só um problema de África. Na Eslovénia,
por exemplo, viu as comunidades ciganas a caminhar durante duas horas para
conseguir água potável. E no relatório que há-de apresentar em Outubro de 2011
falará dos muitos obstáculos que encontrou e de algumas boas práticas, como a
torneira de Qena ou as instalações sanitárias que custam apenas um dólar e
alguma imaginação.
Isabel Gorjão Santos
história inédita, 2010
Gonçalo Cunha de Sá
fotografia inédita, 2010
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