18 de março de 2012

semana 12
Maria Eugénia, a redeira que conquistou
o direito a descontar


No Inverno, a peúga calçava o pé e o saco de plástico protegia a cabeça. No Verão, o sol escurecia a perna direita. No chão de Peniche ou a bordo das traineiras com cheiro a sardinha. Na Gaivota Branca, no barco Fruto da Liberdade. Maria Eugénia recorda. Senta-se no chão da casa, perna direita traçada sobre a esquerda, prende a rede no dedo grande do pé, dá laçadas com uma agulha muito grossa. Redeira há 58 anos, esta mulher encorpada desemaranhou fios, coseu linhas para agarrar carapaus e uma reforma futura. Sacudiu o mundo dos homens, disse que também queria. O direito a descontar. O direito à Segurança Social. Conseguiu.
Maria Eugénia, quarta classe, filha de pescador, mal esperou pelo 25 de Abril de 1974. Redeira desde os 10 anos, partilhava o ofício com 60 mulheres de Peniche. Abraçou as colegas, as 30 que quiseram, e rumou ao mundo dos sindicatos e das cooperativas de pescadores, que floresciam por ali. O mulherio ficou dividido em dois grupos, sindicalizadas para um lado, não sindicalizadas para outro. “Nós e elas”. Hoje restam cinco de cada lado. “Ainda há zangas”. Maria Eugénia ri.
Vinha o mestre da traineira. Olhava para elas. Elas para ele. Mãos à espera de emendar redes. De ganhar o dia. Maria Eugénia ficou de fora várias vezes. Os “patrões das privadas” não gostavam de mulheres sindicalizadas, então “salvas” pelas embarcações das cooperativas. Palavras de uma redeira que tem hoje uma reforma mensal de 370 euros. Não é muito, mas é seu por direito. Um direito conquistado. “Não é, meu amor?”.
Amor é o marido, conheceu-o num armazém de pesca. Casaram vai fazer 50 anos. Ele faz barcos de madeira, ela conserta bocados de rede. Ele usa-as nas miniaturas. Ela fica contente. A conversa termina, Maria Eugénia fica, sentada no chão, perna direita traçada sobre a esquerda.

Lúcia Crespo
história e foto inéditas, 2010

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