Desde pequena que Dina era grande. Aliás, Dicki. Dina era o nome da irmã mais velha. Mas o homem que tratou do passaporte fez confusão. Foi lá a casa receber dinheiro, para ir pedir a papelada e pagar os subornos. Como Dicki era a mais alta, ele pensou que ela era Dina, a filha mais velha. Pediu o visto em nome da Dina.
Quando a família se apercebeu do erro, era tarde. Dicki apresentou-se na fronteira como sendo Dina Ndembo.
Dicki nasceu em 1970, no Zaire, para onde os pais tinham fugido da guerra da independência em Angola. Sempre quis estudar Direito, mas não conseguiu, nem em Kinshasa nem em Luanda, onde, por causa da guerra civil, a universidade estava fechada. Por isso veio para Portugal, sozinha, em 1992. O objectivo era tirar o curso na Bélgica. Mas o tio, para casa de quem veio viver, não permitiu. Queria educá-la à moda antiga: não a deixava sair, batia-lhe.
Para se libertar, Dicki agora chamada Dina e com mais dois anos (fictícios) do BI, e 1m 86 (reais) de altura, foi trabalhar nas limpezas, no Prior velho. Começou a frequentar a igreja pentecostal e lá reencontrou um velho conhecido de Angola. Trabalhava nas obras e ajudava o pastor da Igreja. Era um homem baixinho, de quem ela nunca gostara. Mas como não tinha cá muitas amizades, aceitou a dele. Tornaram-se até confidentes. Ela contou-lhe coisas íntimas que nunca revelaria se soubesse o que ia acontecer: ele pediu-lhe namoro. Dina respondeu logo que não.
“É por eu ser baixinho?”, perguntou ele.
“Sim. Estás a ver como sabes a razão?”. Mais tarde, por pena, Dina aceitou. Mais tarde ainda, não sabe porquê, apaixonou-se de verdade.
Casaram e Dina foi fazer um curso de cabeleireiro. No fim, encontrou emprego na Póvoa de Santo Adrião. Entrava às 10 da manhã, saía às 10 da noite.
Era tão explorada que decidiu trabalhar sozinha. Comprou algum equipamento produtos de cabeleireiro, recebia em casa os clientes, que passavam palavra sobre a boa qualidade do serviço, e acorriam em número cada vez maior.
Dina especializou-se em cabelos africanos. Considerava o seu trabalho uma arte, inventava penteados consoante a personalidade da cliente.
Um dia, a Assembleia de Deus, a sua Igreja, lançou uma campanha com o título “Pedir a Deus três coisas impossíveis”. Dina pediu, número 1, que o marido se tornasse pastor na igreja; número 2, para abrir um salão de cabeleireiro; número 3, para ser missionária no Sudão.
Dias depois, estava a ler a Bíblia, quando teve uma premonição. Ligou a SIC. Estavam a falar do micro crédito. Informou-se. Fez um projecto de negócio e recebe 5000 euros. Em Fevereiro de 2005, arrendou um salão em Sacavém e começou a fazer publicidade, em panfletos que distribuía nas feiras e nos autocarros. A clientela aumentou e, no ano passado, mudou-se para um salão maior.
O marido é hoje pastor da Assembleia de Deus. Dina quer, dentro de alguns anos deixar o salão a um gerente e, com o marido e os filhos, partir para o Sudão.
Paulo Moura
história publicada em “Retratos: Dez anos de micro-crédito em Portugal”, ANDC, 2009
Valter Vinagre
fotografia publicada em “Retratos: Dez anos de micro-crédito em Portugal”, ANDC, 2009
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