24 de junho de 2012

semana 26
O Congo não é um lugar para crianças



























Quando a miséria aperta e a guerra rebenta com os elementos de sanidade, não há tratados internacionais que resistam. Assim tem sido na República Democrática do Congo até ontem, e em grande parte continua a sê-lo. Pedreiros, carregadores, pastores... ou soldados. O Congo continua a ser um inferno perfeito para as crianças: paraíso para a exploração infantil e de crianças soldado.
Os tijolos aparecem maravilhosamente ordenados na berma, que não se distingue da estrada porque ela nunca conheceu o sabor do alcatrão. Tudo é terra, mais ou menos vermelha, mas não tanto como a argila dos tijolos que cozem na floresta à beira do caminho entre Bukavu e Uvira, do lago Kivu ao Tanganica. Junto à aldeia de Hogola, surgem pelos carreiros crianças a partir dos cinco anos, carregando pilhas de 16 tijolos na cabeça, que apenas protegem com uma rosca feita de ráfia trançada. Agans Kasila confessa ter 11 anos; Gasana, cinco. Um outro, que prefere não dizer o nome, seis. Mas há raparigas, que não têm mais de 15 anos, que, ajudadas por um saco e uma fita tensa na testa suada, transportam às costas até 45 tijolos maciços. (Trouxe um comigo para Madrid, como um fetiche contra o esquecimento. Tenho-o em minha casa debaixo de uma grande máscara congolesa). Ainda por cima, a última parte da estrada é uma encosta muito acentuada.
Estas crianças ganham migalhas de euros a cada quatro dias, pelo trabalho que desempenham nas pedreiras de Kinshasa, desde as oito da manhã até às quatro da tarde. O encarregado, Sankara, não se inibe de fornecer o balanço empresarial: pelo fabrico de 100 tijolos pagam 250 francos congoleses (menos de meio euro). Sankara admite que vende por volta de 600 tijolos por dia e que por cada 1000 tijolos ganha cerca de 14 euros. Em muitos casos, quem os fabrica, encarrega-se de os transportar. Os números desta economia em pequena escala parecem mais do que duvidosos. Está calor à uma da tarde na bonita estrada entre as árvores. Os muros de tijolo de argila, de um vermelho intenso, contrastam com o verde da vegetação circundante.
Com uma população a rondar as 60 milhões de almas, a República Democrática do Congo ocupa o nono lugar na tabela de mortalidade infantil até aos cinco anos: em cada mil nascidos, morrem 205.
E as campanhas contra o trabalho infantil continuam a colidir com o rendimento per capita do antigo Zaire: 100 dólares anuais. Segundo as estatísticas da UNICEF sobre o trabalho infantil (entre os cinco e os 14 anos), 28 por cento das crianças congolesas vêem-se obrigadas a trabalhar.
Kingabwa é um dos muitos bairros de lata de Kinshasa: lama, lixo, zinco e doenças. A três quarteirões de onde a pequena equipa de carpinteiros e pedreiros levantam paredes, ao lado da encosta de um afluente do rio Congo pelo qual sobem canoas carregadas com areia, um grupo de crianças entre cinco e 14 anos desfazem, sentados no chão, calhaus com pedras. Dizem que lhes pagam mil francos por mês (menos de um euro e meio) para trabalhar desde as oito da manhã até às quatro da tarde. A chefe da equipa de pedreiros, a única que manuseia um martelo, chama-se Janette, e recebe mais 600 francos do que os outros. Uma outra colega mais pequena, trabalha com uma barra de ferro. Os restantes, com pedras maiores do que os seus dedos, batem pedra contra pedra. Para empedrar o seu próprio inferno neste mundo.

Alfonso Armada
a partir da reportagem publicada no jornal ABC, a 1 de Abril de 2006
fotografia publicada jornal ABC, a 1 de Abril de 2006

1 comentário:

  1. Bom dia, me chamo Cyntia, tenho 2 filhos um de 12 e outro de 8 anos, recebemos uma proposta de trabalho em Bukavu. Gostariamos de depoimentos de como é a vida por lá, para estrangeiros, risco de ataques, violência, e riscos sanitários. Peço por favor informações da realidade local para estrangeiros pois a internet somente nos assusta. Obrigada

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