Costa de Caparica, bairro de barracas conhecido como
Lelo. Daqui não se vê o mar, as praias ou as esplanadas que fazem o postal
ilustrado desta região do município de Almada. Este sítio é mais como uma
aldeia remota de um país subdesenvolvido. Não há esgotos, não há alcatrão nem
calçada, a luz eléctrica é conseguida através de cabos ligados pelos moradores aos
postes de electricidade. A água é trazida de quase um quilómetro de distância,
transportada em baldes e alguidares à cabeça de mulheres e crianças.
“Vive-se tão perto da civilização e longe da
humanidade”.
Durval Carvalho transformou a sua barraca numa venda e
é assim que ganha a vida. “Todos os dias chegam novas pessoas por causa do
reagrupamento familiar. O bairro não está a crescer. Não há mais casas. São só
as crianças que chegam de Cabo Verde”.
A paisagem deste local é dominada de um lado pela
arrábida fóssil da Costa, uma parede de terra amarela. Do outro lado estão os
prédios da Caparica, alinhados uns ao lado dos outros. Um grupo de mulheres
lava a roupa em selhas partilhadas à vez. A água espumosa de detergente é a
mesma para todas. Uma lança ao ar uma descrição do bairro - “nem é preciso
perguntar. Essa água foi trazida em cima da cabeça. Gostava de sair daqui
imediatamente. Já sofri muito sem luz, sem água. Sem condições”.
De novo a palavra a Durval Carvalho – “vamos buscar a
água à praça. Depois de muitos pedidos à câmara e aos serviços, fizeram um
chafariz um bocadinho mais perto do bairro. Disseram que era para minimizar o
nosso esforço mas penso que era para minimizar a vergonha deles, para que não
continuássemos a ir com os nossos alguidares e baldes para o meio dos
turistas”. Noutra casa do Lelo está o Adilson, pai de três filhos. Está
desempregado.
“Tenho dois quartos, uma sala, a cozinha e casa de
banho. No Inverno é que é pior. Se não tivermos um plástico para pôr em cima do
telhado a água entra toda dentro de casa”.
Mais à frente, Euclides Fernandes está à porta da sua
barraca. Tem ao colo uma das suas duas crianças – “temos crianças e estou
preocupado que cresçam aqui, sem condições. A solução passaria por uma comissão
do bairro negociar com a câmara e fazer-se aqui uma urbanização. E a
mão-de-obra seria nossa, cada um fazia a sua parte do trabalho”.
Durval de Carvalho tem dois filhos, um com três anos e
outro de oito meses. É membro da recente comissão de moradores do Lelo, criada
para exigir o que consideram o mínimo para viver.
João Rosário
a partir da reportagem para a Antena 1, em Outubro de
2009
Alexandre Conceição
fotografia inédita, 2010
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