“Chamo-me
Alice Mariama Mané. Claro, mais conhecida por Néné. Tenho 45 anos e sou
secretária executiva da organização não-governamental RA – Rede Ajuda,
Cooperação e Desenvolvimento. A RA surgiu na região de Quínara, na cidade de
Buba. Sabemos que a pobreza é mais notória no interior da Guiné-Bissau, recai
sobretudo sobre as mulheres e as crianças, sem que o Governo tenha capacidade
para apoiar essas pessoas.
Depois
da independência, nunca mais nenhuma escola tinha sido construída na região de Quínara.
A partir de 2002, conseguimos apoio para a construção de sete escolas. Cada
escola tem cinco salas de aula: quatro para o ensino básico, uma para
jardim-de-infância. Assim, aos três anos as crianças já conhecem as letras.
A
ideia desta escola mista surgiu de uma visita que fiz ao Senegal. Encontrei
centenas de crianças a pedir esmola na rua com latas velhas de polpa. Quando me
dirigi a elas para lhes dar um pequeno apoio ouvi ‘obrigado’. Disse: ‘Meu Deus,
obrigado se não é crioulo, é português’. Porque estava num país francófono,
esperava ouvir francês ou wolof.
Perguntei:
‘Parece que falou obrigado. Onde estão os teus pais?’
Escutei:
‘Vim com um grupo de senhores. Os meus pais são da Guiné, mas não os conheço’. Isso
despertou-me a atenção para os meninos talibé que vão para o Senegal ou para a
Gâmbia estudar o Alcorão. Normalmente, essas crianças são do leste do país. Os
pais sentem-se honrados em enviar os meninos para fora. Mas muitos não
conseguem estudar. São obrigados por alguns mestres corânicos a apanhar lenha
às cinco da manhã. Às sete já estão na rua, com uma caneca na mão, para pedir
esmola.
À
noite, à luz da figueira, lêem um bocadinho as tábuas. Não têm tempo para
aprender. Então: eu sei fazer as orações islâmicas e sei também rezar o
Pai-nosso. Fiz os meus estudos com as freiras e tenho essa parte mista. A parte
mista que tenho é que me levou a perguntar: ‘Por que não uma escola que seja ao
mesmo tempo madrassa e oficial?
A
nossa escola, aqui em Buba, é muito procurada. Todas as crianças matriculadas
na escola madrassa, no período da tarde, frequentam também o ensino oficial, na
parte da manhã. Sensibilizamos também para que deixem as meninas ir para a
escola. Agora já estamos com falta de salas.
Não
há nenhum mistério. É possível. Eu sou exemplo vivo”.
Alice
Mariana Mané, Directora da Rede Ajuda
Paulo
Nuno Vicente
a
partir da entrevista para o documentário “Construir o Paraíso Aqui”, ACEP, 2009
fotografia
inédita, 2009
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