Em
2003, uma mulher levantou a voz no Afeganistão. Chamava-se Malalai Joya, vinha
de uma província no sudoeste e tinha 25 anos. À sua volta estavam os
representantes de grandes famílias, os líderes tribais, o poder tradicional.
Era a Loya Jirga, a grande assembleia que ia definir a constituição para o
país.
Quando
chegou a sua vez, Malalai falou contra os senhores da guerra presentes, e todos
os que tinham sangue nas mãos mas continuavam impunes. Quiseram calá-la logo
ali, mas havia demasiada gente a ver.
Dois
anos depois, Malalai foi eleita para o Parlamento. Nas fotografias que há no
seu site aparece sempre de dedo em riste, a falar, a lutar para falar,
veemente, desassombrada, no meio dos turbantes e do protocolo. Continuou a
denunciar os senhores da guerra, os “mujaheddin”, os “taliban” regressados, a
reciclagem dos criminosos, a corrupção nos lugares de poder. Comparou o Parlamento
a um estábulo e a um jardim zoológico. Suspenderam-na. Tentaram matá-la. Passou
a viver clandestinamente, de casa em casa, movendo-se de “burqa” e com guarda-costas.
A família deixou a província de Farah e mudou-se para uma cidade grande onde
ninguém os conhece. Malalai só se pode encontrar com o marido às vezes, em casa
de alguém de confiança.
Célebre
já em todo o mundo como “a afegã sem medo”, começou então a viajar pela Europa e
pela América, a contar o que não se vê à distância sobre o Afeganistão: como as
mulheres continuam a ser perseguidas, ameaçadas, violadas, queimadas, mortas;
como a produção de ópio e o tráfico de droga só aumentaram nos últimos anos;
como a corrupção floresceu no regime Karzai, com o apoio do Ocidente; como Karzai
e o Ocidente reciclaram criminosos, senhores da guerra, e põem a hipótese de
negociar com os “taliban”; como a presença de 100 mil soldados estrangeiros no
Afeganistão trouxe violência, morte, mas não segurança e confiança aos afegãos.
Em
que acredita Malalai? Que as tropas estrangeiras têm de sair. E que têm de ser
os afegãos a construir uma democracia com direitos humanos e separação entre
religião e Estado, ainda que isto leve gerações.
O
trabalho dela, para já, é falar ao mundo.
Alexandra
Lucas Coelho
História
inédita, 2009
Paulo
Ricca
fotografia
inédita, 2009
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