De um lado, o todo-poderoso Charles Taylor. Do outro,
um mero cidadão. Silas Siakor é a prova de que uma pessoa pode fazer a
diferença. Ambientalista e activista pelos direitos humanos, passou os últimos
anos a reunir documentos que ajudaram à acusação internacional contra o
ex-presidente liberiano.
Que Charles Taylor fique “na cadeia por muito tempo” é
o mínimo que este cidadão como outro qualquer pode esperar. Até porque colocou
a sua vida à disposição do bem-estar dos outros – na verdade, do bem-estar da
Humanidade.
Quando o entrevistei, em Abril de 2009, Silas Siakor
impressionou-me pela força da sua simplicidade. No seu tom pausado, sem
pressas, com a certeza de que o mundo dará razão à sua coragem, ele não tem o
charme do herói nem se lhe encontra aquela centelha de loucura que costuma
iluminar os audazes. É apenas um tipo normal – “a regular guy”.
“Em cada indivíduo há potencial e todos podem
desenvolver esse potencial desde que tenham espaço e oportunidade” – Charles
Taylor foi a oportunidade de Silas, que reuniu uma colecção de documentos
entregues nas Nações Unidas denunciando os crimes cometidos pelo ex-presidente
da Libéria, que está a ser julgado pelo Tribunal Especial para a Serra Leoa. Começou
por querer apontar o dedo aos políticos nacionais, pretendia forçar Taylor e
outros dirigentes a cumprirem com as suas “obrigações para com o povo”. “Os
direitos das comunidades locais estavam a ser abusados, elas não estavam a
beneficiar da exploração dos recursos e as florestas estavam a ser destruídas”.
Mas “Taylor não estava disposto a ouvir, estava mais
interessado em silenciar quem estava a documentar os assuntos e a chamar a
atenção para eles”. E do nacional Silas partiu para o global. O caso da Libéria
“desafia o sistema internacional”, porque mostra como “a exploração dos
recursos naturais alimenta conflitos”.
Silas não teve medo de Taylor – e continua a não ter
dos “muitos apoiantes” que o ex-chefe de Estado ainda tem na Libéria. Mas fecha
a expressão quando fala das “pressões” a que está sujeito. “Sinto-me seguro.
Mas tenho de estar atento e vigilante” – uma lição para cada cidadão comum.
Silas escolheu continuar a viver e a trabalhar na
Libéria, mas reconhece que o faz “num ambiente muito difícil”. “Muitas vezes
temos de pesar as opções. Quando vou ao Parlamento fazer campanha por alguma
lei, fico frente a frente com gente que gostava mais de ver atrás das grades.
Mas eles estão em posição de autoridade, tomam decisões. Tenho de lhes pedir que
me ouçam, ainda sabendo que eles não têm a mínima motivação para o fazer”.
A pena para Taylor não deve ser inferior a “ficar na
cadeia por muito tempo” e Silas gostava de ver o mesmo acontecer a outros
destacados dirigentes liberianos que continuam no poder. Porém, a actuação do
Tribunal Especial para a Serra Leoa preocupa Silas. “Tenho dúvidas sobre a
qualidade de algumas testemunhas que depuseram em tribunal. Há muitas outras que
podiam fornecer melhores provas para confirmar a ligação entre Taylor e a Serra
Leoa”. “A Libéria tem uma segurança frágil. Ainda há muitas divisões, as
facções levarão tempo a sanar. Muitos dos que deviam ser julgados continuam em
posições de poder. E contra alguns até há provas mais fortes do que contra
Taylor”.
Mas Silas é optimista e acha que a Libéria “será muito
diferente dentro de uma década” – “está numa encruzilhada interessante”. E
elogia a presidente Ellen Johnson Sirleaf, a primeira mulher a ser eleita para
a chefia de um Estado em África.
Silas defende que “os direitos humanos não são
separáveis do desenvolvimento sustentável” e batalha pela aprovação de uma lei
que reconheça o direito dos indígenas à terra. É isso que faz com o Instituto
para o Desenvolvimento Sustentável, que dirige.
Na Libéria, “80 a 85 por cento” das pessoas vivem em
zonas rurais. O Estado foi açambarcando as terras aos indígenas. Hoje, estes
podem “assentar, cultivar e viver” nelas, mas continuam sujeitos à expropriação
sem pré-aviso. O país está povoado de “sem-terra nas suaspróprias terras”.
Silas critica o Norte, por continuar a olhar para
África como “uma reserva de recursos naturais”, onde vai “buscar mas não
repõe”. Mas deixa uma esperança: “Talvez a próxima geração de activistas deixe
de olhar subservientemente para o Norte e passe a olhar para o Sul, a pensar
por si própria, a decidir em que direcção quer ir, a pedir ajuda se precisar,
mas numa base de parceria”.
Sofia Branco
a partir da entrevista publicada no jornal Público, 15
de Abril de 2009
Enric Vives-Rubio
inédita, 2009
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