Corria o ano de 2008 e uma recém-casada apanhou um táxi para o tribunal da sua cidade e exigiu o divórcio de um homem com o qual tinha sido obrigada a casar. O marido violava-a e batia-lhe. Num país como Portugal, que o ano inteiro assistiu à divulgação de histórias de violência doméstica, esta podia ser mais uma, trágica como todas as outras. Mas estamos a falar do Iémen, um país que ostenta um dos mais baixos níveis de igualdade de género e uma elevadíssima taxa de iliteracia feminina, que ronda actualmente os 65 por cento. A heroína da história chama-se Nojood Ali, tem 10 anos, gosta de matemática e de assistir aos desenhos animados do Tom & Jerry e parece ter nascido para mudar a história.
No dia em que decidiu colocar um ponto final no pesadelo em que vivia, cruzou-se com Shada Nasser, uma mulher que já antes tinha ficado na história do Iémen como a primeira advogada e defensora dos direitos humanos a exercer uma carreira de sucesso na capital do Iémen. A advogada decidiu defender o caso de Nojood e representou-a gratuitamente.
Mohammed Ahdal, o pai, um antigo varredor de ruas, tem duas mulheres, 16 filhos e nenhum trabalho. Razão, aos seus olhos, mais do que suficiente para não ter cumprido a promessa à filha de a deixar estudar e de não a obrigar a casar tão jovem. Existia ainda um outro motivo: a “honra”, em nome da qual se cometem crimes que são definidos como meros “actos”. Uma das suas filhas tinha sido violada, outra raptada. E quando o noivo começou a rondar demasiado a casa de dois quartos decidiu que o casamento poderia salvar Nojood de um destino similar ao das irmãs.
Nojood foi eleita como “mulher do ano 2008”, pela revista Glamour e os fundos angariados foram entregues à Girls World Communication Centre, uma organização em Sana’a que oferece cursos de inglês, computadores e planeamento familiar para raparigas pobres. Contudo, a grande vitória da pequena grande mulher foi a de ter voltado à escola. Pretende ser advogada para ajudar meninas como ela. Mas por agora Nojood pode continuar a ver o gato e o rato na televisão, a brincar com a sua irmã mais nova, Haifa, e a ler histórias de meninas com final feliz.
Helena Oliveira
a partir de artigo publicado na revista Cais, em Março de 2009
Khaled Abdullah Ali Al Mahdi
fotografia Reuters
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