26 de fevereiro de 2012

semana 9
Mwana-sodá



“Kadogo” é a palavra “swahili” para criança. No Congo, para os falantes de “swahili”, “kadogo” também quer dizer soldado. Uma simbiose de significados reveladora de uma terrível realidade.
Também os povos de língua bantu não tinham termo para a palavra soldado. Como para tantas outras coisas, adoptaram o termo imposto pelo colono branco e, hoje, os que falam lingala, por exemplo, integraram no vocabulário o francesismo “sodá”. Fido era um “mwana-sodá”, uma criança-soldado.
Quando nos encontrámos, cabia-lhe a honrosa tarefa de guardar as costas do grande chefe, Jean Pierre Bemba, presidente de le Mouvement pour la Liberté du Congo (MLC), um dos principais grupos rebeldes que fez a guerra contra a dinastia Kabila.
Fido seguia o chefe para todo o lado. Quando o chefe comia, guardava-lhe a porta. Quando o chefe caminhava, guardava-lhe os flancos. Sempre de “kalashnikov” na mão e dureza no olhar. A arma e o olhar disfarçavam-lhe os 11 anos de meninice perdida na orfandade, na fome e nos horrores que lhe impuseram em nome da sua própria sobrevivência. Como qualquer outro “sodá” do MLC, Fido combatia a troco de um prato de sopa. Soldado sem pré e sem ideal.
Todas as manhãs, bem cedo, o tambor falante da missão imitava a voz humana no chamamento dos fiéis para a missa. O bombolón dizia: “ba-na-zam-bé-gá-ná-dá-kôo” (“bana nzambe benga na ndako” – crianças, Deus chama-vos a casa), mas Fido nunca ia.

Carlos Narciso
história inédita, 2001-2010
fotografia inédita, Abril de 2001

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