Patrick traz a fruta na mão. William, o saco de arroz. Sam, o feijão. E ervas para o chá, quando o feijão e o arroz se esgotam no orfanato. Patrick, William e Sam chegaram sozinhos à idade dos vinte. Na terra-berço do Nilo, a cada 12 segundos, há uma pessoa que morre de sida. Para trás, o vírus deixa milhões de meninos órfãos.
E lá vão eles, Patrick, William e Sam. Apressados. Saem, de novo, para os trilhos das bananeiras que refrescam a terra vermelha de Bulenga, encharcada de calor. Ali, no cruzamento, procuram uma “boda-boda” ou uma “matatu”. De mota ou carrinha pão-de-forma, chegam em 20 minutos ao ghetto de Kampala, assim baptizado pelo músico Bobby Wine. Aqui, ele é o senhor Ghetto President.
Cola-se à pele um cenário de cores de chumbo. Debaixo deste telhado de fome caminham muitas crianças. E dormem quase invisíveis por entre chapas de zinco e caixas de cartão, que fazem a vez de cama. Apertada. A sujidade e as doenças também são inquilinos. Também há uma amostra de ribeira. Fétida. Este canal serve para lavar roupa, urinar e beber água. Há abusos e desconfiança entre estes meninos e meninas que enfiam o nariz num saco de plástico com cola. Aqui cheira a esquecimento.
Outras crianças rezam ajoelhadas no chão. Rezam como quem agradece. Hoje, Patrick, William e Sam conseguiram juntar xelins e trazer alimento. Um saco com papa de farinha e feijão. Outro saco com água. É o primeiro aconchego do estômago em muitos dias de jejum. Aqui também há filhos da guerra, no Norte do Uganda. Um grupo de rebeldes é comandado pela loucura de um homem. Joseph Kony diz combater em nome de Deus e rapta crianças que transforma em soldados.São meninos que ou matam ou morrem. No ghetto de Kampala moram vidas – ainda curtas – que escaparam à tortura. Patrick, William e Sam têm casa para dar a alguns.
Não usam capa nem espadas. Nunca ouviram falar de Athos, Portos ou Aramis. Mas são tão ou mais inseparáveis. Até já têm nome de grupo: “Raising Up Hope for Uganda”.
Hoje, os três mosqueteiros regressam a Bulenga com mais uma criança. Estão ali 40. Já se ouvem os gritos das brincadeiras.
O menino sufoca o galo num abraço. Aquela menina lava o vestido no alguidar. Outro menino desenha na folha gasta à sombra do muro inacabado. Esta menina já dá mama ao bebé. E este menino chupa cana-de-açúcar, doce como a jaca que entra pelo portão de ferro do orfanato. Patrick traz fruta na mão.
Rita Colaço
a partir da reportagem realizada para a Antena 1, em Maio de 2009
João Maio Pinto
Ilustração inédita, 2010
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