“A arte pode e deve ter uma função social. Ir ao encontro do público e, quando necessário, deslocar o trabalho artístico para espaços que aumentem as possibilidades deste encontro. Numa das cartas que troquei com a coreógrafa Idoia Zabaleta, (co-criadora da peça ‘Dueto’) reafirmo esta preocupação: ‘Se eu pudesse construir um espaço para um corpo se mover, que espaço seria este? Construir um espaço ou utilizar os que existem, colocando-os como cogumelos ou vírus em terrenos baldios, em bairros periféricos, ou ao lado de grandes teatros, parece-me ser um acto interventivo e político’ (19 Setembro de 2005). Nesta linha, tenho participado em projectos de criação artística junto de grupos em contexto prisional e, recentemente, com jovens menores, em processo de reinserção social, em centros educativos. São projectos que unem a pedagogia à criação artística e reflectem uma ligação entre a arte e a vida, promovendo a imaginação individual e o criar em grupo.
Os três projectos que mais me marcaram foram:
— ‘Rexistir’, formação e criação com reclusos do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco. Projecto de nove anos, que conseguiu criar e apresentar vários espectáculos, dentro e fora do Estabelecimento Prisional, como ‘Nus Meios’ (2006), apresentado em Lisboa, no Teatro Camões. Construímos espaços de liberdade, de respeito e crescimento mútuo entre grupo de reclusos e todos os funcionários do Estabelecimento Prisional. Foi onde descobri a minha vontade de fazer projectos de âmbito social.
— ‘Tapete’, Projecto em Centros educativos, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian. Esta intervenção durou três meses, durante os quais se construiu com os jovens um pequeno objecto artístico que misturou a dança, o vídeo e a música. Um dos projectos mais difíceis, em termos de criação de laços de confiança, onde aprendi muito sobre a importância da arte, para a inserção social destes jovens.
— ‘Nu Kre Bai Na Bu Onda’, projecto de formação e criação em dança, com jovens do bairro da Cova da Moura, que deu origem a ‘Íman’, peça que viajou por vários teatros em Portugal e no estrangeiro, incluindo Ramallah e Jerusalém. Conseguimos encontrar o “lugar do meio”, o lugar da negociação, da partilha, e mostrar o bairro da Cova da Moura para além das imagens violentas que aparecem na televisão e jornais. O projecto de intervenção social e cultural promovido pela associação Alkantara vai continuar, alargando-se a jovens de outros bairros da Amadora, para além da Cova da Moura. Continuarei como coordenadora artística do projecto de formação em artes do espectáculo, desenhada para que os jovens possam tornar-se eles próprios criadores ou/e dinamizadores das suas comunidades”.
Filipa Francisco
Alexandra Lucas Coelho
texto inédito, 2010
Jorge Gonçalves
espectáculo “Dueto”
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