Rodrigo aprendeu há seis anos a tirar sons musicais de um tubo de plástico. Não é mais que uma secção normalmente utilizada em canalizações. O fôlego de Rodrigo transforma-o num didgeridu, o instrumento sagrado dos aborígenes australianos.
O som grave e sincopado do tubo de plástico enche a sala onde Rodrigo e Liliane praticam o didgeridu. Ele ensina, ela aprende.
Liliane é belga. Está a tirar partido de ter levado para a Cooperativa Cultural Mó de Vida, em Almada, o Banco de Tempo. “Há quem tenha muito dinheiro e quem não tenha, ou tenha pouco. Mas todos temos o mesmo tempo. O tempo é o mesmo para todos”. É a contrariar uma ideia feita que justifica a validade do Banco. Liliane aprende “didgeridu” com tempo do Rodrigo. Em troca é procurada para explicações de francês.
Como não tem carro nem sabe conduzir, Rodrigo costuma usar o tempo de outros clientes do Banco que se disponibilizem a transportá-lo quando tem necessidade. Rodrigo paga o combustível.
A ideia do Banco de Tempo teve origem em Itália e rapidamente alastrou, até aos Estados Unidos da América. Chegou a Portugal no início dos anos 90 onde conta com cerca de 30 balcões e reúne cerca 200 membros. “É um movimento social que pretende criar uma rede comunitária de entreajuda em que as pessoas disponibilizam saberes, serviços, conhecimentos”, explica Irene Freitas Silva, impulsionadora do Banco de Tempo do Lumiar, em Lisboa.
Como num banco comum, cada cliente abre uma conta, faz um depósito e levanta um livro de cheques. Ao entregar o seu tempo, oferece também as suas competências, ou pelo menos aquelas que pode e quer partilhar.
Carla Vitorino é praticante de “reiki”. “É complicado para quem tem experiência como voluntário entrar no espírito do Banco. O voluntário dá de si, sem esperar receber nada em troca. No Banco de Tempo não é assim. Tive dificuldade em perceber que também podia beneficiar dos préstimos dos outros”. A Carla usa o tempo dos outros quando precisa de ajuda para transportar um sofá ou outra actividade que requeira uso extra de força.
Há quem procure apenas companhia para passear, ou conversar. Este é um banco que distribui dividendos de igual modo a todos os que aqui investem. Dá os lucros de se partilhar o tempo, com o objectivo de facilitar quem o procura. Tem o tempo na maior cotação, afinal, um valor sem preço.
João Rosário
a partir da reportagem para a RTP, em Janeiro de 2010
Ana Grave
ilustração inédita, 2010
parabéns! histórias fabulosas!
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